Shame

Que dizer deste belo filme de Steve Mcqueen? Soa como um misto de Closer com Taxi Driver, no melhor estilo Dogma 95 (quebrando algumas regras deste, sim, é verdade, mas usando as que emprega com uma maestria e dramaticidade incríveis). Shame conta a história de Brandon, sujeito bem sucedido que vive em Nova York  interpretado por Michael Fassbender que tem problemas com relacionamentos, se entregando a uma vida sexual banal, frívola, sem limites. Até que sua irmã Sissy (Carey Mulligan) chega à cidade de surpresa e se hospeda em sua casa.

Já logo de início temos contato com a vida sexual de Brandon, analisada de maneira bem ritmizada por Mcqueen, com auxílio de uma trilha que remete a uma tensão constante, não encontrando nenhum pudor ao enquadrar a nudez de Fassbender, sem que isso acabe soando apelativo demais. Na verdade o filme soa com a naturalidade de uma sinfonia humana, apresentando-nos a vida de Brandon numa cadência que evoca o cotidiano e nos concedendo uma noção de como suas atitudes podem evocar para si mesmo o título do filme.

 

O desempenho da auto-destrutiva Sissy cantando New York New York está entre uma das cenas inesquecíveis do filme, que emociona e inspira admiração. Fassbender encara o drama pessoal de seu personagem de maneira tão intensa, quase que estoicista, que vemos realmente sua vergonha (opa!) e escapismo sexuais quase como uma súplica de ajuda por conta de um passado a que não somos apresentados, mas que ecoa quando Brandon indaga a uma personagem em dado momento da trama se pudesse viver em outro lugar e em outra época, onde viveria. Ou mesmo quando Sissy afirma que não são más pessoas, mas que só vieram de um lugar ruim. A tentativa de Brandon de tentar consumar aquilo que poderia se tornar um relacionamento mais duradouro acaba lamentavelmente se tornando falho.  Que dizer da discussão dos irmãos, quando ao fundo a televisão passa algum desenho animado, insinuando que a origem de tudo aquilo pode estar numa infância conturbada compartilhada pelos irmãos. Mesmo a tentativa de Sissy de reconstruir laços com o irmão acaba por desencadear uma onda de inconformismo neste que só pode ser atenuada por uma longa, intensa, violenta, misógina e inconfortável jornada sexual, e em Sissy fazendo jus à sua personalidade auto-punitiva.

Com um final que soa até com uma chama de esperança, inconformismo, e desconforto Mcqueen entrega ao expectador a chance de preencher o desfecho com aquilo que achar melhor, com base no que presenciamos. O desfecho realmente me agradou, no sentido de Mcqueen poder fechar um padrão visual com as cenas iniciais, e a maneira como a dubiedade reina naquele epílogo remete a dificuldade da decisão. Que tipo de poder exercemos sobre nós mesmos? Somos capazes de mudar? Mas a que custo, em que circunstâncias? São esses memoráveis pensamentos que o belo filme de Mcqueen evoca.

Taxi Driver – Contém Spoilers

 

O grande papel de Robert De Niro, em numa atuação soberba e nunca mais esquecida pela história do cinema, interpretando Travis Bickle, um motorista de táxi que, para a sua ruína, conhece como a palma de sua mão uma Nova York suja, drogada e prostituída, assim ficando embriagado por esse mundo, ao mesmo tempo que percebe sua impotência diante dele.

Como se não bastasse Travis não conhece e nem vive nada além daquele mundo. “Não acredito que alguém deva passar a vida centrado em si mesmo, morbidamente. Acredito que é preciso se tornar uma pessoa como outra qualquer”. Mas no roteiro de Paul SchraderTravis já tinha ido longe demais. Ao tentar se inserir de maneira “normal” na sociedade ou tentando achar uma motivação para viver nela, Travis se envolve numa campanha política. Tentando construir uma relação, corteja a bela auxiliar de campanha Betsy (Cybill Sheperd). Todavia, ao falhar desastrosa e lamentavelmente, sua misantropia aumenta em intensidade. Em busca de um motivo, procura desconstruir a sociedade ao planejar um assassinato de um candidato à Presidência. Ao falhar novamente, tenta redimir a sociedade (e a si mesmo) entregando-se à missão suicida de resgatar uma prostituta menor de idade (Jodie Foster) de seu cafetão.

O filme é regido por elementos de cinema noir, evidenciado pela trilha jazzística de Bernard Herrmann como também pela narração de Travis. Taxi Driver funciona como um filme noir sombrio, só que visto pelos olhos, não de um policial, mas de uma pessoa comum, anônima, um ex-soldado cheio de traumas, sem a ajuda do Estado, que se torna um justiceiro. 

Em seu ato final, Travis resolve agir de maneira prática em relação ao que lhe inquietou durante todo o longa: simplesmente pega uma arma e ataca seus inimigos de maneira inconsequente dando uma resposta tão brutal quanto a que ele recebia dia após dia em sua rotina de mal-estar urbano. Mas Taxi Driver funciona também como uma bússola moral para o espectador, uma vez que a maneira como reagimos ao final (seja de maneira indiferente, seja apoiando a atitude de Travis ou reprovando-a, seja até interpretando aquele final como um sonho do próprio personagem) indica a maneira como vemos o mundo, o que achamos certo ou não ou que simplesmente estamos perdendo tempo em buscas de respostas que não existem.

Direção: Martin Scorsese

Elenco: Robert De Niro , Jodie Foster , Cybill Shepherd, Harvey Keitel, Albert Brooks, Peter Boyle,Victor Argo , Leonard Harris , Diahnne Abbott , Harry Northup , Martin Scorsese

Roteiro: Paul Schrader

Fotografia: Michael Chapman

Música: Bernard Herrmann

Montagem: Tom Rolf , Melvin Shapiro

Figurino: Ruth Morley

Direção de Arte: Charles Rosen