Raya e o Último Dragão


No mundo fantástico de Kumandra, humanos e dragões viviam juntos em harmonia. Porém quando monstros sinistros conhecidos como Druun ameaçaram a terra, os dragões se sacrificaram para salvar a humanidade. Depois de 500 anos, esses monstros voltam e cabe a uma solitária guerreira chamada Raya encontrar o último dragão para finalmente eliminar os Druun

Em um mundo em que a polarização politica e ideológica atinge o patamar de quase não existir um meio termo, em que as falas são silenciadas e os xingamentos e cancelamentos tomam o protagonismo, “Raya e o Último Dragão” surge como um respiro de alívio mostrando que o diálogo e a confiança entre pessoas de opiniões diferentes pode existir e ser a principal arma contra um obscurantismo crescente, simbolizado pelos monstros de névoa negra chamados Druun, que transformam pessoas em pedra, mais um simbolismo pertinente.

Nota-se aqui o belíssimo trabalho de construção de cenários inspirados em regiões do sudeste asiático que foge dos estereótipos e busca  uma autenticidade notável, variando a sua geografia que transita do desértico, passando por florestas, feiras de comércio e reinos encantadores. 

Kelly Marie Tran, atriz de descendência vietnamita que sofrera ofensas machistas e racistas no Instagram quando atuou em Star Wars, é perfeita dublando a protagonista Raya, dotada de uma autossuficiência e determinação invejáveis. A sua antagonista Namaari (Gemma Chan) possui uma impassividade ímpar e uma trajetória igualmente cativante. Awkwafina como Sisu dá um show de expressividade e humor, caracterizando uma personagem com a dose certa de inocência capaz de mudar aquele mundo dividido e ameaçado, conduzindo as transformações vividas tanto pela protagonista como por sua antagonista. Os personagens de apoio ao trio central funcionam de maneira cômica e encantam, com destaque para a bebê Noi

Surpreende positivamente que em “Raya e o Último Dragão” não tenha canções, recurso muito utilizado pelas animações da Disney para vender as emoções de forma mais explicita, aliando sentimentos e pontos de virada da trama à melodias que grudam no ouvido, como fora “Let It Go” para Frozen. Porém aqui a confiança é total nos diálogos, nos eventos retratados e no ritmo construído, que é  extremamente dinâmico contando com verdadeiras sequências de ação que mostram lutas marciais, tendo ao fundo como grande destaque uma trilha sonora composta pelo talentoso James Newton Howard que se vale de motivos étnicos (sem estereótipos), coro, sons eletrônicos e variação de ritmos que contribuem tanto para os momentos de ação que precedem a trilha como para os momentos épicos e mais emocionais. 

A inventividade visual da  animação também cativa, criando composições cheias de cor e textura, personagens com caracterizações criativas  e movimentos fluidos, permitindo-se imaginar um visual distinto para os dragões e para o grande amigo de Raya, Tuk Tuk, que acaba se revelando um curioso meio de transporte. Esses personagens graciosos contam com muito apelo infantil e são fáceis de imaginá-los na forma de animais de pelúcia numa loja.

Para além das mensagens de diálogo e confiança contra um obscurantismo crescente, “Raya e o Último Dragão” mostra o poder da sororidade, da empatia e da solidariedade usando como fio condutor uma princesa inspiradora do sudeste asiático, juntamente com a primeira atriz descendente da região que lhe dá voz de protagonista. 


Direção:  Don Hall e Carlos López Estrada
Roteiro: Adele Lim, Qui Nguyen
Elenco: Kelly Marie Tran, Awkwafina, Gemma Chan, Alan Tudyk, Daniel Dae Kim, Sandra Oh, Benedict Wong, Lucille Soong, Thalia Tran, Izaac Wang, Jona Xiao
Música: James Newton Howard
Montagem: Fabienne Rawley, Shannon Stein

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Wolfwalkers

Robyn, uma jovem inglesa que ambiciona ser caçadora, vai à Irlanda com seu pai para tentar acabar com um bando de lobos, vistos como demoníacos. Quando a jovem salva uma garota nativa selvagem, sua amizade a leva a descobrir o mundo dos Wolfwalkers, que tem o seu espírito transformado em lobo enquanto dormem.


Existe um certo preconceito na nossa cultura tecnicista moderna em julgar os mitos da antiguidade como uma forma de expressão irracional, enquanto que a ciência seria o resultado de uma racionalidade superior. Pois na verdade os mitos são, sim, uma expressão de racionalidade e sofisticação simbólica ímpar das sociedades do passado.

Wolfwalkers usa o prisma dos mitos irlandeses para discutir a dicotomia entre a sociedade humana em ascensão e a destruição da natureza, sobre a demonização dos mitos populares durante a ascensão do cristianismo, sobre a relação entre liberdade e aprisionamento no tratamento com a mulher na jornada de Robyn por sua emancipação.

Fugindo do padrão mercadológico das animações de computação gráfica popularizadas pela Pixar, que investem num realismo visual que às vezes dilui o encanto imaginativo que a imagem pode ter, Wolfwalkers é uma animação tradicional 2D feita com aquarela, desenhos feitos a lápis ou carvão e que trabalha nas formas geométricas a expressão de dois mundos distintos. Se dentro dos muros do castelo as formas dos desenhos são quadradas e pontiagudas, na floresta as formas são circulares, as cores são mais vibrantes e os movimentos fluidos. Por vezes é possível enxergar o rascunho dos desenhos em algumas cenas.

Com tantos temas complexos que são tratados em Wolfwalkers, mas sem perder de vista que é uma animação voltada ao público infantil, a expressividade dos personagens e as decisões tomadas dão um rumo para a trama que engaja muito o espectador no jogo de valores entre vida/morte e liberdade/aprisionamento, e é interessante pensar na sua história como uma expressão inicial do mito do lobisomem, demonizado posteriormente pela cultura cristã dominante.



Diretores: Tomm Moore, Ross Stewart


Elenco: Honor Kneafsey, Eva Whittaker, Sean Bean, Simon McBurney,Tommy Tiernan, Maria Doyle Kennedy, Jon Kenny, Nora Twomey,Oliver McGrath


Roteiro: Will Collins


Música: Bruno Coulais


Montagem: Darragh Byrne, Richie Cody, Darren T. Holmes