Tokyo Vice – Episódio de estreia dirigido por Michael Mann

Desde 2015 com “Hacker” que o diretor Michael Mann não assina a direção de um filme ou, como nesse caso, uma série. Contando a história de um jornalista ocidental que trabalha para um jornal japonês em Tóquio e acaba tendo que confrontar um dos mais perigosos chefes do crime da cidade. Essa situação já aparece nos primeiros minutos do episódio de estreia, antes de voltar para o ano de 1999 e passar a contar a sua história do princípio. “Tokyo Vice” se vale muito da experiência e do talento do veterano diretor de “Miami Vice” e “Fogo Contra Fogo” para construir o tom da série, a começar pela textura da imagem, profundidade de campo reduzida, paleta de cores vibrante e ao que parece a série é filmada em câmera digital como os últimos trabalhos de Mann (quem assina a fotografia no primeiro episódio é John Grillo, de “Westworld“). 

O diretor também usa o espaço da cidade para caracterizar os conflitos das personagens de maneira muito visual e sofisicada. Conforme foi citado no ótimo artigo da IndieWire escrito por Ben Travers, que pode ser acessado aqui, um dos momentos-chave do episódio é quando vemos um close desfocado do rosto de um homem, enquanto ao fundo vemos várias linhas de trens que passam por aquele espaço, criando um emaranhado, uma teia de caminhos. A medida que o foco encontra o rosto do sujeito morto, o movimento de câmera revela uma espada no seu peito, incrustada tal qual aquelas linhas de trem que perfuram o espaço da cidade, e a máfia e seus crimes encobertados revelam-se tão emaranhados naquela sociedade quanto aquelas linhas de trem.

Já o Jake interpretado por Ansel Elgort mostra-se um ocidental deslocado por aqueles costumes e aquela sociedade, na maneira como é tratado na redação do jornal pelo seu superior, com preconceito por ser um estrangeiro e judeu, mesmo que brilhante no domínio do idioma japonês. Claro que essa trama do ocidental que irá desvendar os crimes da máfia japonesa com o seu olhar distinto pode soar como uma trama de “salvador branco”, de fato, apesar de termos Ken Watanabe no elenco para equilibrar a balança. Dois momentos em particular que Mann mostra o personagem caminhando na rua, subindo até o seu quarto e acendendo a luz do quarto, a única luz ligada naquele horário, sob o “olhar” de um outdoor bem em frente. Esse mesmo outdoor é mostrado em outro plano espetacular através da janela do quarto do protagonista em outra cena. Jake é esse sujeito observado e vigiado pelo crime organizado enquanto tenta desvendar os assassinatos que presencia, e o diretor Michel Mann é certeiro em mostrar isso visualmente.

Os outros dois episódios apresentam uma trama mais intrincada e guiada por diálogos, sem o brilhantismo da direção de Mann. Mesmo assim é uma série que, com três episódios até agora, instiga o espectador numa ótima trama investigativa.

Abaixo o trailer de “Tokio Vice“:


Abaixo os trailers de “Profissão: Ladrão“, “Fogo Contra Fogo“, “Colateral” e “Miami Vice“, grandes filmes de Michael Mann.

Missa da Meia-Noite

Diante do caos que é a existência e da nossa busca incessante por entender e explicar tudo à nossa volta, a religião talvez seja o maior alento da humanidade. Sempre conferindo uma motivação final em cada coincidência, golpe de sorte, mérito próprio ou fatalidade, até os mistérios mais inexplicáveis e incoerências que brotam das injustiça sociais são explicadas, satisfatoriamente ou não, como parte do plano personalizado que um Deus onipresente e onisciente preparou para cada um de nós. Diante disso, “Missa da Meia-Noite” extrapola essa ideia através de uma possibilidade fantástica e seu posterior entendimento pelo prisma de uma pequena comunidade de uma ilha formada de 127 pessoas que vivem, como os apóstolos de Jesus, da pesca. Sendo uma comunidade católica, é de se supor que essa visão interpretativa e criação de sentido é construída a partir de uma base hierárquica forte ocupada pela igreja e pelas autoridades locais.
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A Maldição da Mansão Bly – Breve comentário

 

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Após a trágica morte de uma au pair, Henry contrata uma jovem americana para cuidar de sua sobrinha e sobrinho órfãos que moram na Mansão Bly.

O que lhe dá medo? Um pesadelo povoado de monstros? Uma sombra que passa pelo canto do olho? Um grito distante? Ou a perda de uma pessoa amada? De um filho, ou filha, talvez. De esquecer quem são as pessoas que estão ao seu lado? De sonhar e nunca mais acordar?

O criador Mike Flanagan (de “Doutor Sono” eHush: A Morte Ouve”), nesta adaptação cheia de personalidade da clássica obra literária “A Volta do Parafuso“, constrói uma narrativa calcada, num primeiro momento, nas múltiplas histórias de luto de seus personagens, que compartilham suas histórias ao redor de uma fogueira. Mas vai além. Somos o resultado das nossas lembranças do passado e expectativas do futuro, e a viagem mais rica que podemos fazer é dentro das nossas memórias. Perdê-las é perder a nossa identidade. E eternamente retornar a elas cria um laço de ressignificação constante.

Com um elenco muito expressivo em seu favor, Mansão Bly tem credibilidade nas emoções que quer passar em suas múltiplas histórias, e o entrosamento entre Dani, Flora e Miles, magistralmente interpretados pelo trio Victoria Pedretti, Amelia Bea Smith e Benjamin Evan Ainsworth, com seus passados de famílias “quebradas” e perdas é o que dá força à serie.

Mansão Bly consegue transitar habilmente entre o drama e o sobrenatural que é difícil enxergar onde um começa e o outro termina. Próximo do desfecho, já tendo contado as histórias íntimas de todos os seus personagens principais, a mensagem de perda de memória evolui numa nova personagem, evocando uma metáfora sobre apagamento histórico, algo que nos dias de hoje, com a ascensão de uma direita que constrói uma visão distorcida de mundo, encontra um eco poderoso. Mas é no seu desfecho que temos as melhores ideias sendo trabalhadas. A solução dada à ameaça que surge remete ao próprio sentimento de empatia, tão necessária nos nossos dias. Daí surge o verdadeiro horror velado da perda de identidade, uma metáfora à depressão e esgotamento emocional vivido pela personagem. E é na sensação de perder as pessoas que se ama que reside a beleza, o drama e o horror, enquanto desconstrução de identidade, de “Mansao Bly“.

Elenco: Victoria Pedretti, Henry Thomas, Oliver Jackson-Cohen, Kate Siegel, T’Nia Miller, Rahul Kohli, Benjamin EvanAinsworth, Amelia Bea Smith, Amelia Eve,Tahirah Sharif

Direção: Ciarán Foy, Liam Gavin, Axelle Carolyn, Mike Flanagan, Ben Howling, E.L. Katz, Yolanda Ramke

Roteiro: Mike Flanagan, Henry James, Rebecca Klingel

Música: The Newton Brothers

Fotografia: Maxime Alexandre, James Kniest

Jessica Jones – Temporada 2 Trailer e Bastidores


Jessica Jones, além de uma grande personagem nos quadrinhos, é a que mais se destaca nas séries da Marvel na Netflix por ser a única heroína da editora/produtora dos Vingadores a assumir o protagonismo num material audiovisual de muita qualidade. E enquanto não estréia os longas solo da Capitã Marvel e da Viúva Negra, Jessica Jones segue ocupando esse posto.


É nesse contexto que estréia a segunda temporada da série, que acertadamente conta com mais presenças femininas na direção. Abaixo você confere o vídeo que mostra as primeiras impressões dos atores, da showrunner Melissa Rosenberg e das diretoras.  A segunda temporada conta com o retorno de Krysten Ritter (Jessica Jones), Rachael Taylor (Trish Walker), Carrie-Anne Moss (Jeri Hogarth), Eka Darville (Malcolm Ducasse) e com as estreias de Janet McTeer e J.R. Ramirez, entre outros.

Twin Peaks – Temporada 3

Quem se aventura a assistir as obras de arte que David Lynch dirige sabe que elas transcendem o próprio conceito de cinema enquanto linguagem, quebrando todos os paradigmas convencionais de um roteiro autoexplicativo e criando filmes tomados por uma série de incógnitas sem soar, por incrível que pareça, aleatório. Muito pelo contrário, é dessa forma que Lynch faz surgir em nós sensações das mais viscerais, desde a melancolia, a dor profunda e o horror. Podemos não entender o que se passa em tela racionalmente, mas nossas sensações não saem incólumes à experiência. É sob esse prisma que a terceira temporada de “Twin Peaks” se converte na experiência mais marcante do ano de 2017, cabendo aqui discutir sobre a mudança de paradigma que a televisão pode estar vivendo, se convertendo numa experiência por vezes mais criativa, ousada e gratificante do que o cinema mainstream, tomado pelas amarras de um formato feito para lucrar milhões em um único Blockbuster sem poder ousar.

Originalmente nos anos 1990 a série explorava o assassinato de Laura Palmer, uma popular estudante de uma cidade ficcional do interior de Washington. Sua narrativa ia de uma tradicional novela policial com personagens excêntricos e fortes influências de surrealismo vindas do diretor David Lynch, no auge de sua carreira no cinema, sendo premiado pela Palma de Ouro em Cannes por “Coração Selvagem” ainda enquanto a série era exibida. A influência da série original nas produções para a TV é sempre citada, numa época em que era novidade ter um diretor consagrada trabalhando numa série, algo que hoje em dia já é mais comum, devido à própria influência de Twin Peaks.

Pois nessa onda de revivals e refilmagens, que no cinema vão desde “Star Wars”, “Jumandi”, “Jurrasic Park/Word”, e na TV passa por “Gilmore Girls” e “Arquivo X”, é em “Twin Peaks” que vemos que simplesmente não basta recriar pura e simplesmente as convenções estabelecidas no material original. É preciso dar um passo a frente e fazer sentir a passagem de tempo. O expectador já não é mais o mesmo, logo os personagens também não. E é nessa expectativa de voltar a ver esses personagens em sua forma mais conhecida e consagrada 25 anos depois do término da conturbada segunda temporada que Mark Frost e David Lynch brincam com a identidade do protagonista, o agente Cooper, expandem o universo criado na série original com uma série de metáforas que falam sobre o nosso mundo mesquinho, superficial e que tem dificuldade de entender o outro.

É latente a constatação de um EUA doente depois de uma crise econômica e da eleição de Trump. O desencanto com as autoridades se faz sentir no decorrer da trama e as críticas às condições sociais soam muito fortes. Os questionamentos são criados e poucos são respondidos de maneira tradicional, abrindo espaço para múltiplas interpretações, algo recorrente nos trabalhos de Lynch. A série atinge a excelência em narrativa e fotografia, criação de clima e direção acima da média e um design de som primoroso assinado pelo próprio diretor, que também atua. Se é para destacar algum episódio em especial, o terceiro é um show a parte de ambientação e questionamentos, mas é no episódio oito que Lynch se reinventa num trabalho audiovisual e fortalece a mitologia da série, numa das experiências mais intensas e envolventes que uma série de televisão poderia proporcionar.

Os shows que fecham alguns dos episódios são catárticos e as citações constantes ao filme “Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer” tornam o longa praticamente obrigatório para uma experiência plena. Pois nesse conto de fadas macabro a sensação que fica no final é a da tragédia de um homem que se descobre muitos e ao encontrar a sua verdadeira identidade percebe que luta contra algo muito maior que si, talvez um poder destrutivo presente dentro de todos nós que nos impõe um caminho trágico, mas que não impede que nossa vida valha a pena ao tentar mudar nosso destino e transformar a nossa existência.

Trailers da temporada 3

Trailer do filme “Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer”, dirigido pelo próprio Lynch.



Mini documentário feito pela Showtime em três partes para mostrar a influência da série em outros realizadores e a base de fãs da série.





Twin Peaks – The Return (Temporada 3)

Direção: David Lynch

Roteiro: Mark Frost, David Lynch

Elenco: Kyle MacLachlan, Jay Aaseng, Joe Adler, Mädchen Amick, Dana Ashbrook, Owain Rhys Davies, Eamon Farren, Sherilyn Fenn, Jay R. Ferguson, Patrick Fischler, Robert Forster, Nathan Frizzell, Harry Goaz, Michael Horse, Caleb Landry Jones, Jennifer Jason Leigh, Peggy Lipton, James Marshall, Everett McGill, Clark Middleton, John Pirruccello, Kimmy Robertson, Wendy Robie, Tim Roth, Rodney Rowland, Harry Dean Stanton, J.R. Starr, Naomi Watts, Nae

Arquivo X Temporada 11 – trailer

Neste domingo, dia 08 de outubro, na New York Comic-Com 2017, a Fox divulgou o trailer da 11ª temporada de “Arquivo X”, com as cenas do season finale da temporada anterior e mostrando que vai investir na procura por William, além de estabelecer os personagens clássicos Fox Mulder e Dana Scully, mas também inserindo a presença de novos personagens, sugerindo uma clima conspiratório e apocalíptico, além de muita ação. Vale ressaltar que mesmo a atriz Gillian Anderson ter declarado que não pretende voltar à interpretar Scully numa eventual 12º temporada, isso não dá nenhuma certeza quanto ao fato de que a série irá acabar.

Abaixo você confere o trailer da 11º temporada de “Arquivo X” que estreia em 2018 e contará com 10 episódios. 

Star Trek: Discovery – Trailer


Star Trek é um caso raro de uma série de televisão que constantemente se reinventa dentro da narrativa televisiva e que migrou para o cinema atingindo resultados espetaculares, com uma série de filmes memoráveis.

Se a série clássica era progressista e inovadora em seu tempo quando fora exibida na televisão (de 1966 a 1969), contando com enredos ousados e muito criativos, o fator orçamento e as limitações da época são sensíveis quando se assiste hoje em dia. A falta de efeitos visuais mais convincentes e a pouca verossimilhança que a geografia dos planetas explorados e o aspecto sempre humanoide das raças alienígenas, que não parecem ter sofrido mutações distintas dos seres humanos, são fatores que se sente na série original que durou por três temporadas. Porém, com o sucesso dos filmes que trouxeram de volta a tripulação original em produções de respeito em filmes muito bem realizados, muitos deles considerados clássicos do gênero de ficção científica, como o espetacular “Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan“, de Nicholas Meyer, nasceram várias séries que se passam nesse universo criado por Gene Roddenberry.
Num breve histórico, “Star Trek The Original Series“, foi exibida de 8 de setembro de 1966 a  3 de junho de 1969, que narra a história da nave USS Enterprise em uma missão de cinco anos para explorar o espaço. O elenco principal era composto por William Shatner como o Capitão James T. Kirk, Leonard Nimoy como Spock, DeForest Kelley como Dr. Leonard McCoy, James Doohan como Montgomery Scott, Nichelle Nichols como Uhura, George Takei como Hikaru Sulu e Walter Koenig como Pavel Chekov
Star Trek: The Animated Series” foi uma animação exibida entre 1973 a 1974, contando com o elenco original da dublagem dos personagens.
Star Trek: The Next Generation“, tem seu enredo ambientado aproximadamente um século após a série original, com a nave USS Enterprise-D e sua tripulação: Capitão Jean-Luc Picard (Patrick Stewart), o Comandante William T. Riker (Jonathan Frakes), engenheiro chefe Geordi La Forge (LeVar Burton), oficial de segurança Tasha Yar (Denise Crosby), Worf (Michael Dorn),o primeiro Klingon a fazer parte da na Frota Estelar, a médica chefe Dra. Beverly Crusher (Gates McFadden), o androide Data (Brent Spiner) e o filho da Dra. CrusherWesley Crusher (Wil Wheaton) e a conselheira betazóide Deanna Troi (Marina Sirtis). Foi ao ar de  28 de setembro de 1987 a  23 de maio de 1994, com sete temporadas.
Star Trek: Deep Space Nine” se passa logo após “The Next Generation“, estreando em 3 de janeiro de 1993 e terminando em 2 de junho de 1999, finalizando com sete temporadas. Ao invés de se passar numa nave, como as séries anteriores, esta se passa principalmente em uma estação espacial cardassiana conhecida como Terok Nor, renomeada como Deep Space 9. A série retrata a vida dos tripulantes da estação e no elenco estãoBenjamin Sisko, o lider, interpretado por Avery Brooks e Kira Nerys interpretada por Nana Visitor.
Star Trek: Voyager” foi ao ar de 16 de janeiro de 1995 até 23 de maio de 2001, tendo sete temporadas, contando a história da Capitã Kathryn Janeway, interpretada por Kate Mulgrew, que se passa quase ao mesmo tempo que “Star Trek: Deep Space Nine” e teve sete temporadas, enriquecendo mais a mitologia da série. 
Star Trek: Enterprise” foi ao ar de 26 de setembro de 2001 até 13 de maio de 2005 e seu enredo de passa antes da série original, abordando a tripulação da primeira nave de Dobra 5, a Enterprise comandada pelo Capitão Jonathan Archer interpretado por Scott Bakula e pela Subcomandante vulcana T’Pol interpretada por Jolene Blalock.
Com a reinvenção de Star Trek nos cinemas, iniciada por J. J. Abrams, a série ganhara um aspecto mais voltado para a ação. Muito do progressismo, otimismo e representatividade está nas séries de TV, que contam com uma Capitã em “Star Trek: Voyager”, Kathryn Janeway, interpretada por Kate Mulgrew e um protagonista negro Benjamin Sisko, interpretado por Avery Brooks em “Star Trek: Deep Space Nine“. Pois esse novo trailer de “Star Trek: Discovery”, mais nova série ambientada nesse universo criada por Bryan Fuller e Alex Kurtzman e que será exibida pela Netflix e pela CBS All Access mostra que terá muita ação e conta com ótimos efeitos visuais e maquiagem, mas também promete que haverá conflitos bem desenvolvidos e tensão para contar a história da ascensão do Império Klingon, ambientando-se dez anos antes da série original. O elenco conta com Sonequa Martin-Green como a protagonista Michael Burnham, que segundo fora divulgado é irmã de Spock, filha de Amanda Grayson, mãe humana do personagem clássico. Jason Isaacs como Capitão Lorca, Doug Jones como Tenente Saru, Shazad Latif como Lieutenant Tyler, Maulik Pancholy como Dr. Nambue, Michelle Yeoh como Captain Georgiou, além de Wilson Cruz  e Anthony Rupp  que formarão um casal gay na série.
Em destaque o trailer de “Star Trek: Discovery”, juntamente com outras referências. A série estreia no dia 25 de setembro. Vale citar que todas as outras séries comentadas aqui também estão na Netflix.

Girlboss – 1ª Temporada

Geralmente séries de comédia com episódios de pouco mais de vinte minutos se baseiam na criação de estereótipos para caracterizar seus personagens, com o objetivo de desenvolver com certa agilidade uma trama no tempo estipulado. “The Big Bang Theory“, apesar de eu ter visto poucos episódios, em temporadas variadas, é uma das séries que mais usa a criação de estereótipos de personagens. Esta mais nova série da Netflix, “Girlboss“, criada por Kay Cannon, gera essa impressão nos primeiros episódios, contando a história “baseada livremente em fatos reais” de Sophia, uma garota narcisista que não consegue se ajustar a nenhum emprego e tem um relacionamento difícil com o pai, mas que por acaso descobre ao criar uma conta do eBay e passar a vender roupas vintage por ela reformadas e revendidas uma possível vocação e independência financeira, criando a sua página no eBay chamada Nasty Gal.

Nesses primeiros episódios temos a impressão de que estamos assistindo o estereótipo de uma garota rebelde e narcisista que, interpretada por Britt Robertson com sua habitual competência para parecer espontânea e natural, sem fazer força para atuar, tem em sua intérprete e elenco de apoio a principal motivação para seguirmos acompanhando a sua história. Porém, a medida que o enredo avança percebemos o esforço do roteiro em, não justificar, mas desenvolver e criar um contexto em que todo o comportamento de Sophia se baseia, desde sua relação difícil com o pai e a ausência da mãe, brilhantemente desenvolvida, até a relação com a melhor amiga Annie (Ellie Reed), que passa por altos e baixos ao longo da temporada. A medida que seu negócio evolui e sua vida pessoal passa por severas mudanças, o relacionamento com Shane (Johnny Simmons) é desenvolvido e serve de catalizador para o orgulho e egocentrismo da personagem, mas também como uma maneira de combatê-lo e colocá-lo em perspectiva. Como aqui não temos uma menina inocente e passiva, é possível que não concordemos com as atitudes de Shopia, mas o seu sonho de felicidade, liberdade e independência é algo que cativa e que se assume como sendo o principal discurso construído pela série.

A real Sophia Amoruso, com o livro que inspirou o desenvolvimento da série

É interessante notar que, como a história se passa entre 2007 e 2008, nesses dez anos a nossa tecnologia e a maneira como nos relacionamos com ela mudou muito, desde os celulares, passando pela maneira de usar a internet, fica muito clara a época em que se passa a série. O trabalho de montagem feito no decorrer da série atinge, em alguns episódios, quase a perfeição, tornando a narrativa fluida e seguindo um ritmo que remete constantemente a natureza da sua protagonista. O uso das cores pela fotografia ressalta que o assunto moda é forte na série, gerando planos muito bem iluminados e compostos, fugindo da paleta monocromática e sem criatividade que a maioria das séries cômicas costuma recorrer.

Revelando-se, quase como uma surpresa agradável no seu desfecho, um coeso estudo de personagem, “Girlboss” é uma série que passa a humanidade da sua protagonista em seus erros e acertos, incertezas e pedras no caminho, envolvendo o espectador pelas situações cômicas orgânicas e genuinamente engraçadas, como também pela busca de um sonho que Shopia empreende nesses treze divertidos episódios.

O que achou do comentário? Deixe sua opinião abaixo e caso queira assistir a série, basta clicar aqui.

Criador: Kay Cannon

Direção: Christian Ditter, Steven Tsuchida, John Riggi, Amanda Brotchie, Jamie Babbit

Roteiro: Kay Cannon, Caroline Williams, Sonny Lee, Eben Russell, Jake Fogelnest, Joanna Calo, Jen Braeden

Elenco: Britt Robertson, Ellie Reed, Johnny Simmons,  Alphonso McAuley,  RuPaul, Dean Norris, Jim Rash, Amanda Rea, Rebecca Krasny, Melanie Lynskey

Black Mirror – Temporada 3



Ao longo da história o ser humano sempre tratou de questões que vão desde a construção do conhecimento, preconceitos e aceitação daquilo que é diferente, disfunções sociais e psicológicas e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Na esfera individual e coletiva sempre lidamos com as mais variadas formas de conflitos e temos feito progressos. Apesar disso, alguns comportamentos parecem se repetir e encontrar novas formas a cada momento da nossa história. Para isso, as ferramentas de comunicação e expressão que usamos exercem um papel fundamental, seja para nos libertar ou para nos aprisionar. Refletindo a maneira como o ser humano tem se comportado na presença da tecnologia, Black Mirror é uma série criada pelo britânico Charlie Brooker que reflete bem todo o drama presente na história humana no âmbito pessoal e coletivo, buscando num futuro não muito distante refletir sobre o comportamento das pessoas nessa nova realidade.

Tendo início o com episódio “Perdedores”  (Nosedive), dirigido por Joe Wright e estrelado por Bryce Dallas Howard, talvez nunca antes um material áudio visual tenha desferido uma reflexão tão poderosa sobre a nossa sede de likes e curtidas, sobre a imagem criada virtualmente através das redes sociais. Sem se referir a nenhuma rede social específica, mas refletindo o comportamento que temos com todas elas em geral, este episódio entrega uma Lacie Pound escrava da opinião dos outros e das cotações desferidas quase que a todo o momento, e quando em certo momento vemos varias pessoas reunidas num lugar, todas ela olhando para seus celulares, reagindo como os outros de maneira artificial e falsa, não deixa de incomodar por nos enxergarmos naquele comportamento potencializado pela tecnologia (em alguns momentos aquelas interação me lembraram muito os filmes do Kubrick, do jeito artificial  e polido como ele gostava de mostrar seus personagens interagindo em “O Iluminado” ou em “De Olhos Bem Fechados”, antes de surtarem completamente ao longo da narrativa. Isso reforça o fato que Black Mirror reflete um comportamento potencializado pela tecnologia, não causado por ela). Ao final deste episódio, temos aquilo que mais parece à personagem uma interação mais natural, sincera e orgânica, que curiosamente também ocorre através de uma parede de vidro, numa rima visual muito feliz de Joe Wright.

Em “Versão de Testes” (Playtest) temos o tema da realidade virtual explorada com mais força. Partindo de um conceito chamado de singularidade, que como consta no diálogo do episódio, consiste no fato da inteligência de uma máquina eventualmente superar a de um ser humano. Pois essa premissa se confirma quando Cooper, que saíra da casa da mão devido à perda do pai e que parece ter extrema dificuldade em encarar a sua realidade resolve participar de um jogo que trará a tona alguns de seus medos. Pois podemos perceber o quanto o jogo em si explora o conceito de entrar cada vez mais na psique de Cooper e conseguir evocar o aquele que é seu maior medo. As rimas visuais entre a casa do jogo e a casa de Cooper comunica bem o estado de espírito de seu personagem e a constante sensação de nunca saber o que é real torna o episódio extremamente tenso.

Em “Cala a Boca e Dança” (Shut Up and Dance) temos o tema da invasão de privacidade desenvolvido de maneira intensa. Quando Kenny é obrigado a fazer tarefas cada vez mais perigosas pela cidade percebemos o poder que muitos Hackers podem ter sobre nossa liberdade. A revelação final sobre um detalhe das fotos que Kenny olhava serve para deixar mais tênue a linha entre certo e errado, nunca entregando uma resposta fácil às perguntas que se propõe e servindo, inclusive, como uma espécie de bússola moral para o espectador, caso achemos que o personagem merecia o que sofrera ou não, um julgamento nada fácil de fazer.

San Junipero” traz uma ambientação atípica dos outros episódios e por si só já vale pela maneira criativa como desenvolve seu enredo. A medida que avança vai trazendo revelações sobre o que é aquele/aqueles lugares e sobre suas personagens, conferindo um ar tocante de melancolia muito forte a partir do momento que conhecemos suas histórias pessoais. De novo, aqui não existe certo ou errado e a tecnologia empregada tem caráter libertador. Mas ao mesmo fica a impressão de que o que resta para Yorkie e Kelly é uma realidade emulada, que supera as fatalidades e o peso de algumas decisões tomadas, mas ao mesmo tempo em que liberta, aprisiona na mesma medida.

Engenharia Reversa” (Men Against Fire) é o episódio mais ousado, tão ousado quanto “Perdedores”, mas desta vez numa esfera coletiva e governamental, tecendo reflexões sobre intervenções militares, manipulação da opinião pública e sobre a maneira como enxergamos o outro, aquilo que é diferente ou os próprios estrangeiros. É muito comum em discursos fascistas tratar o estrangeiro ou aquele que não se encaixa num comportamento conservador como algo menos que humano. E é isso que vemos aqui, o interesse de um grupo esmagar a presença de outro e é impossível não traçarmos paralelos entre as Grandes Guerras, entre os conflitos que fazem parte da história do Oriente Médio, entre protestantes e cristão no Domingo Sangrento na Irlanda do Norte, na perseguição dos comunistas no macarthismo, no assassinato de opositores nos tempos da nossa ditara militar e no aspecto que esse ódio e desumanização ocorre nos dias de hoje, através de novas ferramentas, tratando o diferente como se fosse uma barata que deve ser esmagada.

Finalizando com “Odiados pela Nação” (Hated in the Nation), um episódio de aproximadamente 90 minutos, as importantes questões sobre vigilância do governo, tão atuais e presentes desde o vazamentos de informação de Edward Snowden em 2013, aliada ao fato da Internet ter se tornado uma espécie de terra de ninguém onde pessoas falam o que bem entendem com uma liberdade perigosamente irresponsável, usando avatares que as tornam corajosas (e covardes ao mesmo tempo) o bastante para falar aquilo que não diriam fora do mundo virtual, e o tom policial que preenche a trama do início ao fim tornam esse episódio muito envolvente e tenso, apesar de contar com um desfecho um pouco insípido em se comparado com a maneira intensa que os outros episódios concluíam. 

Assim, Black Mirror se torna uma das mais importantes séries da atualidade, ao refletir em cada um dos seus seis episódios o comportamento humano presente ao longo de nosso história  através daquele reflexo de uma tela pela qual enxergamos uma vida muitas vezes falsa, muitas vezes angustiante, muitas vezes libertadora, mas que sempre será um reflexo da nossa vida real.

Direção:  Joe Wright, Dan Trachtenberg, James Watkins, Owen Harris, Jakob Verbruggen e James Hawes

Roteiro: Rashida Jones, Michael Schur, William Bridges e Charlie Brooker

Elenco: Bryce Dallas Howard, Alice Eve, Demetri Goritsas, James Norton, Alan Ritchson, Cherry Jones, Wyatt Russell, Hannah John-Kamen, Wunmi Mosaku, Ken Yamamura, Alex Lawther, Jerome Flynn, Natasha Little, Gugu Mbatha-Raw, Mackenzie Davis, Gavin Stenhouse, Raymond McAnally, Malachi Kirby, Sarah Snook, Madeline Brewer, Michael Kelly, Kelly Macdonald, Faye Marsay, Duncan Pow, Charles Babalola, Elizabeth Berrington e Benedict Wong

Arquivo X – O Sanatório da Morte (S02X11)

Uma enfermeira é violentada numa clínica de idosos, e segundo ela o autor teria sido um paciente que sofre do Mal de Alzheimer. Explorando um ambiente banhado em luz e contando com personagens que falham em representar uma ameaça, “O Sanatório da Morte” é um dos mais fracos episódios desta segunda temporada, por pecar em construir um enredo minimamente coerente e por contar com uma resolução fácil, cometendo o mesmo equivoco que Missão em Perigo, ao tornar Mulder e Scully meros espectadores de um caso pouco interessante que conta com um enredo que se resolve quase que espontaneamente, tornando a presença dos agentes dispensável.

Aqui podemos perceber o segredo que guia grande parte dos episódios bem sucedidos de “Arquivo X”: quanto maior o envolvimento dos agentes em relação ao  caso, maior o envolvimentos do público. Vale citar a tentativa de pôr em discussão o estupro e a negligência com os idosos, apesar destas discussões serem infelizmente desenvolvidas de maneira superficial. A questão do abuso da mulher será melhor explorada em “Irresistível”, que irei comentar em outro post. A cor verde novamente é integrada de maneira insistente na linguagem visual do episódio, como já fora explorada em muitos outros, reiterando a tentativa de se estabelecer a presença de uma ameaça ligada a elementos sobrenaturais inerentes às tramas do seriado. O comentário que Mulder faz sobre as fitas de vídeo que Scully eventualmente pode encontrar nas gavetas é impagável e sem dúvida o melhor momento do episódio.

Direção: Stephen Surjik

Escrito por: Paul Brown